segunda-feira, 18 de março de 2013

Se carrega a minha semente há de ser o meu mundo

Em um domingo nublado, em um lado da cidade, alguns se alimentavam da rapidez das grandes corporações; do outro lado, outros cultivavam pacientemente uma horta regada de utopias

Fabiane De Carli Tedesco


Uma horta nasce das utopias, dos achismos caboclos e das pesquisas em filmes e livros, como o Manual do Arquiteto Descalço, que deixou de ocupar a estante para ocupar a cabeça de 15 pessoas que compõem o Carpindo um Lote, projeto de agricultura urbana surgido em janeiro de 2013. Entre elas, o arquiteto Thiago Scussiato Merlo, filho de agricultores que trabalhou na terra até os 11 anos. "Plantei muito canteiro e este é o meu retorno", revela. "Volto às raízes 22 anos depois. Volto a brincar no mato, a brincar na terra."
O projeto foge da instrução programada do vídeo game, lembrando como é bom mexer na terra, tomar banho de chuva e sair do apartamento, como conta um dos membros do Carpindo um Lote, o tatuador Adnilson Rafael Telles. É no quintal de casa, que a horta ganhou vida. Dar valor ao que se faz com as próprias mãos e aos temperos colhidos na hora é o que move outro membro do grupo, o publicitário Sérgio Franco, que já ensina o filho Lucas Franco sobre o valor da terra. Ao lado dos amigos, Sérgio se lança em um esforço vegetariano, já que, nas palavras de Adnilson, a cada escolha pela carne, um prego a mais no caixão.
Com as mãos na terra surgem descobertas, verdadeiros presentes de Deus. Descobertas e presentes que não estão nas prateleiras dos supermercados, mas que são ricos em vitaminas e podem ser transformados em chás, receitas e remédios naturais, como lembra a professora Fernanda Schnorr Grando. Entre os encontros dos amigos na horta, surgiu uma ideia: El Toron, marca de molho de pimenta criada pela designer Manu Benvenutti, que também se rendeu aos prazeres da horta.
O grupo de amigos, formado por profissionais de áreas distintas, entende o Carpindo um Lote como "muito mais do que uma ação de fazer canteiros, plantar e colher", como diz Juliane Franco, formada em matemática, física e psicologia transpessoal. "É um movimento com ideologia 'anarco-libertária', que tem relação com saúde, sustentabilidade, autonomia, resistência às corporações e até espiritualidade."
Para ela, as mudanças só acontecem a partir da nossa vontade aliada à ação. "Como um grupo de amigos que gosta de se reunir para conversar, cozinhar e comer, sempre nos preocupamos com a qualidade do que consumimos. Estamos nos vendo em um mundo cercado por agrotóxicos e alimentos aditivados e artificiais, sem preocupação nutricional, voltado ao consumo excessivo de tudo e que muitas vezes nos adoecem ao invés de nutrir." Assim, o movimento partiu do desejo de mudança.
"Enquanto ninguém começar, nada acontece e continuaremos sempre nas mãos de multinacionais alimentícias, que se apossaram do que é mais valioso para a humanidade: as sementes. Se todo mundo cultivasse algo no seu quintal ou em um terreno baldio próximo, muita coisa seria diferente. A conexão com a terra faz muito bem, as pessoas se distanciaram disso, muitas já nem se dão conta de qual estação do ano estão. O plantio nos faz observar as fases da lua, como está o clima e o que se come em cada época do ano. Tudo isso nos faz mais saudáveis. E, de 'brinde', se ganha a convivência com os amigos."
Difundir esta ideia na internet pode ser interessante para mostrar para esta geração que há mundo além das grandes corporações. "Queremos mostrar para as pessoas que não é difícil cultivar o que comemos. Aliás, é muito agradável poder colher e colocar o alimento na mesa. Criamos a fan page para documentar os nossos passos, os nossos erros e os nossos acertos. Queremos estimular que outros sigam o nosso exemplo."

"Vá carpir um lote!"

Conheça o Carpindo um Lote <https://www.facebook.com/CarpindoUmLote>, página com ideias sobre agricultura urbana, com tudo para quem quiser iniciar uma horta ou mantê-la. Em bom Catarinês, "vá carpir um lote!"